Published June 26, 2023 | Version 1
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Democracia, Governança Pública e Compliance

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Após enorme esforço para alinhar a Administração Pública aos vetores normativos estabelecidos pela Constituição da República do Brasil de 1988, o Estado avança sobre as fronteiras do ordenamento jurídico interno para adequar suas práticas de gestão às diretrizes recomendadas pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), com intuito de se integrar ao bloco de países que buscam soluções, por intermédio de políticas públicas, para as assimetrias do mundo globalizado. 

Além das questões inseridas nas esferas ambiental, ecológica, econômica e social, o remodelamento administrativo carece de otimização dos investimentos, executados com recursos públicos, assim como, do aperfeiçoamento gerencial da máquina estatal, a fim de garantir a obtenção de resultados mais efetivos e eficazes, em favor das demandas prioritárias da Administração Pública. 

A contínua expansão dos direitos fundamentais exige planejamento, estratégias e inteligência para orientação das escolhas públicas, elementos estes que servem de facilitadores em torno do processo de tomada de decisão, uma vez que o orçamento é limitado, levando em consideração o patrimônio pertencente ao erário e as restrições impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2004).

Diante da inviabilidade de execução de políticas públicas que atendam todas as necessidades dos cidadãos, sob a perspectiva do princípio da dignidade humana, é atribuído aos gestores públicos o poder-dever sobre soluções trágicas, alusivas aos múltiplos interesses prioritários, que reclamam atuação dos órgãos governamentais para mitigar riscos e evitar danos aos direitos subjetivos, de caráteres individual e coletivo. Portanto, a expansão do diálogo entre os diversos atores que, potencialmente, possam ser atingidos pelos efeitos da decisão administrativa, é fundamental para assegurar a juridicidade da definição das alternativas que merecem acolhida pelo governo. 

Para dirimir os desafios do Estado contemporâneo, circunscrito por um cenário de crescentes riscos, incertezas e contingências, é indispensável a adoção de um formato de gestão delimitada pelos pilares da governança pública e do compliance, levando em consideração a imposição do dever de boa administração, consagrado por força do fenômeno da redemocratização e do direito administrativo transnacional. Nesse sentido, a arena decisória ganha novo contorno porque agrega informações extraídas dos setores que dialogam com os organismos inseridos na área pública, proporcionando prognósticos mais próximos da realidade fática. Com isso, aumentam as expectativas quanto à redução dos custos políticos e financeiros para adoção de medidas que visem a operacionalização do aparato republicano, em favor do bem comum. 

A concepção de legalidade, como paradigma do agir administrativo, entrou em crise por conta da progressiva complexidade que afeta a Administração Pública.  O legislador não é capaz de antever eventualidades, que surpreendem a população mundial, ou, consequências inesperadas, decorrentes de fatos previsíveis, em virtude da míngua do conhecimento técnico e específico sobre determinadas matérias. Portanto, é razoável que os conceitos jurídicos indeterminados e as cláusulas abertas sejam interpretadas pelos gestores e agentes públicos, nos moldes delineados por cada circunstância concreta. 

Por outro lado, em proveito da segurança jurídica, é de substancial relevância a institucionalização de sistemas de compliance e programas de integridade para que sejam prefixados métodos, critérios e instruções relativas aos atos, procedimentos, contratos e decisões administrativas, com escopo de reduzir a disfuncionalidade do controle, sob o viés da juridicidade. Dessa forma, a conduta do Estado estaria sujeita a normas de natureza extrajurídica, de força obrigatória e efeito vinculativo, para além das leis (em sentido estrito), porém, desde que, não contrárias ao ordenamento regido pela Constituição. 

Contudo, parte da doutrina é resistente à ideia de utilizar sistemas de compliance no gerenciamento das rotinas administrativas que fazem parte da Administração Pública direta, devido os dispêndios financeiro, operacional e temporal, além da memória atrelada às falhas sequenciais nas políticas reformistas do Estado. Ademais, a terminologia adotada em referência ao agir em conformidade é tida como mero estrangeirismo para reproduzir as práticas de controle que já fazem parte cotidiano dos órgãos oficiais. Outrossim, esse ferramental é compreendido como mecanismo que se adequa às corporações privadas, constituídas por capital, cujas ações são negociadas em bolsa de valores mobiliários ou mercados de balcão, tendo como propósito prevenir riscos, que recaiam sobre o objeto da empresa ou tenham repercussão no alcance dos interesses de seus respectivos shareholders e stakeholders.

Apesar dessas ponderações, os pontos aqui destacados transcendem o caráter semântico da palavra compliance, definida no contexto da Lei Sarbanes-Oxley (SOX) e chancelada por relevantes estruturas internacionais, como o Bank for Internacional Settlements – BIS, o Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia, o Acordo da Basiléia I – 1998, o Acordo da Basiléia II – 2004, o Acordo da Basiléia III – 2010, o Fundo Monetário Internacional – FMI, o Grupo de Ação Financeira Internacional – GAFI, a International Organization of Securities Commissions – IOSCO, The Committee of Sponsoring Organizations of the Treadway Commission – COSO, o Wolfsberg Group, The Egmont Group of Financial Intelligence Units, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, a Convenção Interamericana contra a Corrupção e a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais.

A conotação do compliance, no recorte dos ministérios, secretarias, departamentos e demais centros de competência, inseridos na órbita da Administração direta, é constituída de caráter preventivo, estratégico, republicano e democrático, tendo por objetivo promover o planejamento das escolhas públicas pela regulação, através de programas normativos diretrizes políticas de conduta de cunho autorregulatório, ou, regulatório setorial. Esses aspectos serão abordados, com mais detalhes, no conjunto de trabalhos científico que compõem esta coletânea.

Importante salientar o empenho dos alunos do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá (Stricto Sensu), Laurinaldo Félix Nascimento (doutorando) e Elaine Freitas Fernandes (mestranda), que não pouparam energia para a preparação e seleção dos artigos que integram esta obra coletiva. Há de se registrar agradecimentos e congratulações aos pesquisadores que contribuíram para composição deste livro, fruto das discussões, investigações e constatações, originariamente, iniciadas nas reuniões do Grupo de Pesquisa Democracia, Governança Pública e Compliance, vinculado ao PPGD-UNESA, sob minha liderança, e, também, dos Professores Doutores, Marcelo Machado Costa Lima e Getúlio Nascimento Braga Junior.

A atividade do Grupo de Pesquisa DGP&Compliance permanece ativa para que novos aportes científicos possam surgir, com a intenção de oferecer soluções teóricas e práticas à comunidade global, tendo em vista os reveses que obstruem a realização metas e resultados, nos campos das ciências sociais aplicadas, especialmente, no universo jurídico. 

Vale destacar o quanto tem sido crucial o fomento oferecido pelo Vice-Reitoria de Pós-Graduação, Pesquisa e Extensão da Universidade Estácio de Sá, mediante o Programa de Pesquisa Produtividade, para manutenção e progresso do projeto intitulado “Disfuncionalidade do Controle sobre as Escolhas Públicas”, matéria ancorada no objeto de estudo explorado pelo Grupo de Pesquisa DGP&Compliance. 

Este livro abrirá caminho para reflexões que transpassam as fronteiras legais, jurisprudenciais e dogmáticas, ampliando o pensamento jurídico em direção à zetética, de modo que, seja, cada vez mais, exequível a elaboração de melhores perguntas, em direção a descobertas que suscitem novidades, acomodadas nos paradigmas da transparência, accountability, sustentabilidade, multiculturalidade, dignidade e equilíbrio social.

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