
Benjamin Moser fala sobre a autora que o conquistou aos 19 anos
O escritor e historiador lançou em 2009, pela Companhia das Letras, a biografia "Clarice", e, recentemente, traduziu "A Hora da Estrela" para o mercado norte-americano
- Moser: "Fiquei apaixonado (pela obra de Lispector), como posso dizer que já fiquei apaixonado por certas pessoas mesmo"Foto: Companhia das Letras/Divulgação
- A capa da mais recente edição da biografia de Clarice Lispector lançada pela Companhia das LetrasFoto: Facebook Companhia das Letras
- Detalhe da capa de uma edição norte-americana do livro "A Hora da Estrela"Foto: Divulgação
O escritor e historiador norte-americano Benjamin Moser, 44, conheceu a obra de Clarice Lispector por meio de livros dela que chegaram às suas mãos quando ele estava ainda na faculdade, nos Estados Unidos - tinha apenas 19 anos. "Mais tarde, quando fui ao Brasil, fui lendo mais, descobrindo, achando maravilhoso e tal". Rendido, tentou encontrar alguma maneira de tentar ampliar o alcance da obra da autora fora do país - o que, diz, "não é propriamente algo fácil". "Ela já tinha morrido, então, me vieram questões do tipo: 'Como me aproximar disso?' 'Como fazer?', 'Como proceder?' E, assim, resolvi escrever uma biografia por conta da minha própria curiosidade sobre ela".
No entanto, ele confessa que sentiu um certo receio. "Tive medo, porque eu não sabia se a pessoa Clarice Lispector ia ser tão interessante quanto a obra. "Porque muitas vezes isso não acontece. E, na verdade, o artista não tem obrigação de ser fascinante na vida diária. Muitos não são, têm vida meio corriqueiras, de classe média, burguesa. Acontece. As coisas (relacionadas à vida de muitos escritores) não são necessariamente interessantes. Mas foi um acaso, uma sorte, porque a vida da Clarice Lispector é tão fascinante quanto a obra dela. Tudo nela, na pessoa, me surpreendeu, e, de certa forma, me explicou porque a obra era tão interessante. Porque ela tinha, na vida, muitos aspectos como a obra dela tem. E, assim como na literatura, (ao se enfronhar na vida dela) você fica espantando, e admirado, e chocado, muitas vezes".
Neste centenário de nascimento de Clarice Lispector, Moser conversou com a reportagem do Magazine sobre a importãncia da autora que, lembra ele, é brasileira (nascida na Ucrânia), mas universal. "Clarice é brasileira, mas tem coisas brasileiras que são interessantes por serem brasileiras. No caso de Clarice, sua escrita é universal porque toca nos temas mais importantes da vida da gente, como porquê nascemos, porquê morremos, porquê nos apaixonamos, porquê a gente perde o amor que tivemos por uma pessoa, porque ficamos velhos, como a gente procura Deus, como a gente chega além dos nosso próprios limites. Isso, tanto na Ucrânia, quanto na Croácia quanto num estado do Brasil, como, sei lá, o Maranhão, são temas nos quais todo mundo pensa", avalia. "E quanto você tem uma escrita do nível da (feita pela) Clarice, reverbera mundialmente".
Segundo Moser, essa universalidade explica o motivo de tantos países estarem festejando, nesta quinta-feira, o centenário de nascimento de Lispector. "Infelizmente, para uma grande tristeza minha, não podemos fazer essa comemoração com atos presenciais. Não dá, pelas razões que a gente conhece", pontua, referindo-se à pandemia do novo coaronavírus. "Mas eu acho que a cleebração dela é do jeito que tem que ser, uma coisa pelo mundo. E fico muito feliz por ter ajudado a levar ela para o mundo".
Perguntado sobre seu livro de cabeceira de Clarice Lispector, ele responde de pronto. "Para mim, continua sendo o primeiro livro que eu li dela, 'A Hora da Estrela'. Quando li, na faculdade, aos 19 anos, mal falava português, até então, tinha feito um ano só, de estudo da lingua. Por isso, a gente (a turma) ficou lendo as obras pequenas - veja, 'pequenas' não pela importância, mas pelo número de páginas mesmo, e veio esse livro, que tem cerca de 90. E eu fiquei apaixonado, como posso dizer que já fiquei apaixonado por certas pessoas mesmo. Sabe aquele relance, olhar, aquela eletricidade no ar que surge quando você olha para uma pessoa e se sente atraído por ela? Eu me senti atraído pela Clarice - e ainda me sinto. Fico muito orgulhoso que a gente tenha conseguido lançar agora, nos Estados Unidos, uma edição de 'A Hora da Estrela' com ensaio de várias pessoas, inclusive um assinado pelo filho dela, o Paulo. É uma edição que eu traduzi. Portanto, continuo com esse livro super perto do coração".
Em tempo: Benjamin Moser nasceu no Texas, em 1976. Formou-se em História na Universidade Brown, nos Estados Unidos, e vive hoje em Utrecht, na Holanda. Colabora regularmente para a New York Review of Books e é autor de "Clarice, Uma Biografia" (Companhias das Letras, primeira edição: 2009, mais recente: 2017. 576 páginas, tradução José Geraldo Couto). No ano passado, a mesma casa editorial publicou dele "Sontag - Vida e Obra", biografia de Susan Sontag, uma das intelectuais mais importantes do século XX.
Neste ano, mais precisamente em maio, Moser arrebatou o prêmio Pulitzer na a categoria Biografia, justamente por "Sontag". Já por sua biografia de Clarice Lispector ele recebeu em 2016 o Prêmio Itamaraty de Diplomacia Cultural, concedido pelo Ministério das Relações Exteriores do Brasil.

